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Artigo do Leitor
Carta aos homens: pelo Dia dos Pais
"Eu percebi que o machismo espera de 'um homem de verdade', o distanciamento das próprias emoções"
Por: Redação
Publicado em: sexta, 11 de agosto de 2023 às 17:19h

Quando eu estava no mestrado, eu tive um entendimento que foi uma virada de chave na minha vida pessoal e profissional. Foi quando eu descobri que o machismo também violenta os homens.  

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Até aquele momento, eu havia escutando muito sobre as violências cometida pelo machismo contra as mulheres. Mas, de repente, como se uma cortina fosse retirada dos meus olhos, pude enxergar o que esteve e está  na nossa vida, há séculos, que é a cobrança para que os homens, desde a infância, correspondam a um papel social associado à força, à virilidade, à irresponsabilidade afetiva, a falta de cuidado consigo e com os outros, é à conquista: de dinheiro, bens materiais, mulheres. Ou seja, as velhas expectativas de gênero que, assim como faz sofrer as mulheres desde criança, também faz sofrer os homens desde meninos.

Mais do que isso, eu percebi que o machismo espera de "um homem de verdade", o distanciamento das próprias emoções. Exige deles engolir o choro, ser forte o tempo todo e autoriza usar a força e o poder para resolver problemas delicados. Não contente, o machismo também condena aqueles que tentam ser diferentes. Condena o homem que arregar, e justifica dizendo que ele não é digno de ser chamado de homem, porque “homem de verdade” não deve se queixar de nada. 

Por consequência, o homem que tenta ser diferente corre o risco de perder o respeito do pai, mais ainda, do avô, porque esses sim “eram homens de respeito”, e passa a ser motivo de piada entre os amigos, que riem dele, as vezes para esconder as próprias frustrações, as vezes para pedir socorro, em tom de brincadeira.  

Ter dinheiro, trabalhar,  comprar bens materiais são coisas essenciais e o problema não está nisso. O problema está em acreditar na mentira social contada pelo machismo, de que só dinheiro, virilidade e força, bastam para ser homem, para ser um bom marido, para ser um pai suficiente, e para construir relações com amor, confiança, respeito e admiração.

Eu sei que essa perspectiva é mais complexa do que a gente está acostumado a escutar, e confesso que pra mim causou estranhamento. Mas precisamos considerar esse sofrimento, porque essas violências que o machismo faz contra os homens, contribui para as violências que vamos encontrar contra as mulheres, nos casais, nas famílias, nas relações entre pais e filhos/as.

Isso acontece porque nossas relações são como uma grande engrenagem, de modo que o funcionamento de cada pessoa interfere no funcionamento das demais. Então, quando procuramos o que tem “por baixo” das violências nos relacionamentos íntimos, vamos encontrar histórias de abusos e falta de cuidado, desde a infância, vividas por mulheres e também por homens. 

Vamos encontrar também padrões adoecidos de relações, que se tornaram modelo ao longo da vida e  fazem com que se continue perpetuando dor e sofrimento de uma geração para outra, independentemente de gênero, classe socioeconômica, religião, idade. 

Considerar tudo isso é fundamental para que a gente pare de violentar os meninos quando exigimos que eles não chorem, ou quando a gente deixa de fornecer os cuidados que toda criança precisa, porque acredita que “menino tem que se virar sozinho, para aprender a ser homem de verdade”.

Além de que, se ignorarmos os impacto do machismo sobre os homens, continuaremos sendo incoerentes (pra dizer o mínimo) ao esperar que, na vida adulta, seja natural para eles entrarem dentro de casa, encontrem a parceira, ser companhia agradável, brincar com as/os filhas/os, falar sobre as emoções e encontrar soluções sensatas para os problemas do relacionamento, sendo que, até então, eles passaram uma vida sendo treinados para engolir o choro e fazer de conta que as próprias emoções não existem, porque “sentir as próprias emoções é coisa de gente "louca". 

Como esperar que seja natural e fácil os homens, colaborem nas tarefas domésticas e dar mais do que uma contribuição financeira dentro de casa, se desde a infância eles foram expulsos das casinhas para trabalhar e trazer dinheiro pra casa, porque ficar em casa e embalar a boneca "é coisa de menininha".

Sei que pode ser difícil de empatizar, especialmente em um contexto onde vemos em destaque o lugar dos homens agressores. Mas, com meu trabalho clínico, tenho tido a oportunidade de ver muitas relações conjugais, familiares, pessoais, mudarem muito para melhor, a medida que os homens começaram a ser enxergados para além dos comportamentos violentos, e passaram a ser acolhimentos das suas dores. 

Vejo muitas relações se tornarem mais fortalecidas, a medida que os homens começaram a aprender o que fazer com as próprias emoções e com as emoções de quem amam, sem usar violências contra si e contra os outros, para se defender dos sentimentos. 

Felizmente meu trabalho me permite ajudar as pessoas a construirem novas experiências emocionais. Com isso, tenho o privilégio de enxergar muitos homens aprendendo a entrar dentro de casa e, para além de ter orgulho do carro, da casa, da grife que o dinheiro do trabalho pode comprar, hoje também conseguem se orgulhar, desfrutar e preservar a família que conseguiram construir.

Eu sei que é difícil acreditar, mas, ainda hoje temos meninos crescidos que abandonam, porque também foram abandonados. Ainda hoje encontramos meninos crescidos, que não conseguem olhar para seus/suas filhos/as, porque ainda estão com os olhos cheios de lágrimas, a espera do olhar de admiração dos seus próprios pais, que não conseguiram demonstrar amor e ensiná-los a amar, como um pai deve amar, proteger, brincar com seus/suas filhos/filhas. 

Então, nesse dia dos pais, meu convite é para deixarmos de lado os rótulos que estão prontos e, ao invés de cobrarmos tanto as faltas desses homens, que a gente dê espaço para que eles se aproximem e, juntos, possamos construir novas experiências emocionais. São esses encontros que permitem que os homens pais consigam perceber a importância e a diferença que fazem na vida dos filhos, das filhas, das família e da sociedade. 

Aos homens e aos pais, desejo que desse dia dos pais em diante, vocês se permitam baixar as defesas e experimentar esse lugar novo, de encontro com vocês mesmos e com quem amam. Desejo que, assim, vocês descubram um pouco mais de tudo aquilo que vocês tem a entregar na vida de quem vocês amam, e se dediquem a aprender como fazer isso. Afinal nem pai, nem mãe, nascem prontos. 

Feliz dia dos Pais!

Artigo escrito pela psicóloga Bruna Sörensen

Fonte: Psicóloga Bruna Sörensen
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