A epopeia do União
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quarta, 08 de dezembro de 2021

Todos os povos contam e cantam suas conquistas e feitos, que são passados de geração a geração pela música, pintura, literatura e pela tradição oral. A literatura consagrou três gêneros de composição para transmiti-los. O gênero lírico prestigia o apelo aos sentimentos e sensações. Aborda temas românticos. O gênero dramático mexe com sentimentos profundos, fustiga a alma, questiona o significado das coisas. O gênero épico se ocupa com aventuras e feitos heroicos. São narrativas grandiosas sobre feitos e heróis, não necessariamente reais. A fábula, o mito e a lenda são expressões da epopeia.
O povo gaúcho se familiarizou com a expressão “epopeia farroupilha” que lembra guerra perdida, mas nela e por ela o gaúcho cunhou seu jeito de ser.
O sociólogo francês Lucien Goldmann produziu uma teoria para analisar a estrutura de um romance ou narrativa sobre algo. No romance existem dois personagens em disputa, o herói benigno e o herói demoníaco. Na lenda do Negrinho do Pastoreio, o Negrinho é o herói com o qual simpatizamos. O filho do estancieiro encarne o jeito do herói demoníaco.
Esta base conceitual nos ajuda a entender o que vem acontecendo com o time do União. Tudo indica que ele é impulsionado pelo herói benigno da união entre grande número de pessoas que trabalham em sintonia. A façanha inédita de conquistar a taça de campeão da Segunda Divisão no futebol gaúcho é a recompensa desta harmonia grupal.
Há dez anos, alguém arriscaria prognosticar que o União seria campeão? Com certeza, prevaleceriam as baldas do herói demoníaco expressas em expressões catastróficas. Aqui prevaleceu a ética da “união faz a força”. O União é filho da União. Uma mãe fecunda gerou um filho robusto, atrevido, um aluno que fugiu da escola da mesmice para aprender a fazer o inédito viável. O que poderia parecer miragem há dez anos está feito, no padrão “barba, bigode e cabelo”. 
O Sérgio que foi bom jogador no tempo do Juventus, muitas vezes campeão, em dezenas de torneios varzeanos, assistia aos jogos do União e lembrava da garra da equipe do Juventus. E comparava a atitude das duas equipes, ambas movidas pela união e determinação.
Lá no início da década de 60, nasceu o Juventus da maior assembleia já realizada na Vila Faguense. Presença maciça de homens, mulheres e crianças. Jogadores havia meia dúzia. Mas, formado o time, começou sua história. Os jogadores foram se fazendo. E todos jogavam, desde os velhos, as mulheres e crianças. No campo, 11 jogadores. Atrás da goleira do adversário, todos os outros. Uns corriam e chutavam. Outros gritavam. Para comprar os ternos de camisas, fazia-se mutirões para plantar feijão, voluntários faziam rifas, coletas, doações. Eram expressões de plena vigência do herói benigno. Em nenhum momento se fez presente o herói demoníaco, o da cizânia. Durante quinze anos, o Juventus colecionou uma galeria de troféus que nenhuma outra equipe da região conquistara.
Mas veio o tempo cruel do êxodo rural. Os jovens sumiram, o entusiasmo inicial começou afrouxar e, não demorou, surgiu no horizonte o herói demoníaco. Veio a decadência e o fim do Juventus. Sobreviveu a touceira da união enraizada na memória de algumas famílias que sempre lembravam, com saudade, o tempo em que o Juventus, ao entrar no campo, fazia tremer os adversários.
É mais ou menos isto que o Sérgio me conta do União, uma equipe embalada por força superior, amalgamada pela união e entusiasmo de muitos. Esta convergência se faz em torno de líder que sabe empoderar os colaboradores. Pode-se contar e cantar a curta história do União com os mesmos versos que os poetas cantaram a epopeia farroupilha, tecida de bravura.
Mas, é necessário farejar as escaramuças do herói demoníaco que aparece disfarçado de desunião, pessimismo ou negativismo. Pelo Rio Grande afora existem dezenas de estádios, que no passado vibravam, hoje silenciados pela tapera.
Esta dialética acompanha as civilizações. Elas surgem, se expandem, florescem e depois conhecem a decadência. Os historiadores não titubeiam em afirmar que intrigas e divisões internas causaram a desgraça.
Por enquanto, o União vive a fase do mito que prega ser a união a forma mais segura de multiplicar as forças. Assim, a força surpreendente do União é a união de seus colaboradores.

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