E de repente, caju
Recentemente fui a um jantar, digamos, diferente. Aceitei o convite de um amigo para participar de uma noite com sua turma da confraria. Detalhe, lá eles têm uma regra: não se pode falar de futebol, política, religião e trabalho. Para resumir, achei que eu entraria mudo e sairia calado.
As conversas fluíam bem: turismo, a série do Raul Seixas, cervejas artesanais e de repente começou-se a falar sobre frutas. E então, da Metamorfose Ambulante e de Tente Outra Vez a pauta afunilou para o caju. Se não me engano, foram uns 20 minutos de debate sobre o dito-cujo. E eu, ali, só ouvindo, com o estômago roncando, mas me alimentando de cultura. Os caras não eram fracos.
Foi naquela noite, depois de algumas décadas de vida, que descobri que caju não é uma fruta. Havia um senhor de cabelos grisalhos, que eu não conhecia, que disse que caju é um “pseudofruto” e que a castanha-de-caju é o verdadeiro fruto daquele pacote. E ele ainda completou a aula de fruticultura citando que o abacaxi, em termos botânicos, também é um pseudofruto. Muita coisa para a minha cabeça, até por que a informação sobre o caju já havia dado uma embaralhada na minha cabeça.
Logicamente eu não iria causar constrangimento em pegar meu telefone e pesquisar se aquilo tudo era verdade. Acreditei que fosse, já que os demais convidados da janta prestavam atenção naquele senhor como se fosse o professor da turma. Então, nada mais justo do que respeitar aquela aula gratuita. Contudo, ao sair da janta, ainda dentro do carro, puxei o telefone do bolso e resolvi pesquisar sobre o assunto. Tudo aquilo que ele disse era verdadeiro. Inclusive sobre o abacaxi como botânica.
Minha noite foi riquíssima culturalmente, além de que acabei nem lembrando que meu time jogava. Escapei de um possível embrulhar de estômago e de terceirizar a culpa na comida, a qual estava muito boa, diga-se de passagem. Escapei de ver erros de cruzamentos, de finalizações, da espalmada do goleiro para o meio da área, escapei de olhar para uma TV e ver o casamento do caos com a desilusão.
Foi uma noite diferente, de aprendizado. Aprendi que caju é muito mais do que um clássico de Caxias do Sul e, além disso, que não é uma fruta. Ganhei um tantinho a mais de cultura e um tantão a mais de paz. Até que o jogo seguinte me devolvesse a dura e sofrível realidade. “Tem uma polpa suculenta, mas não é uma fruta”, disse aquele culto senhor de cabelos grisalhos. Que aula, senhores. Que aula.
PAPO DE FÉ
"Se olhares para Deus, o que tanto te preocupa vai parecer insignificante."
— Santa Clara de Assis