Cacoete
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quinta, 15 de julho de 2021

Cacoetes são pequenas manias da linguagem, dos gestos ou do comportamento. Ocorrem sem que deles tenhamos consciência. Exemplo: determinado professor, muito dedicado, a cada cinco minutos soprava na mão direita e piscava encostando a cabeça no ombro direito. No colégio, monitorávamos cacoetes de professores com listagem e estatística.  “Digamos, né, pois, tá, enfim, então, isto é, ou seja, entendeu” eram os mais frequentes.
Os cacoetes enfeiam a linguagem e demarcam lapsos da memória. Ao faltar a palavra certa para informar, o falador se socorre de cacoetes. Com eles nada diz. “Enche linguiça”. Por exemplo: o professor fala e fala sobre determinado assunto e se dá conta que não se faz entender. Então, lança mão do “entendeu, ou seja, ou do isto é”. Seria assim: dois mais dois são quatro, ou seja, o resultado é quatro. Isto cria outro cacoete pior, a “tautologia”, o floreio, a repetição enfadonha.
Os “cacoeteiros” mais populares, talvez, sejam políticos e repórteres, os que comentam os fatos do cotidiano. Alguns, desejando enfeitar sua fala se esquecem das regras básicas da gramática. Na ânsia verborrágica, vão despejando falatório, fazendo dele uma massaroca de pleonasmos. Este lapso decorre da superficialidade de conhecimento sobre o que se fala. Escassa leitura e pouca produção escrita acusam conversa fiada do falador que blefa. Estes e outros são cacoetes cultivados na escola medíocre.
Mas, há outro tipo de cacoete, o maior deles e o mais nefasto, a mentira. Se a sopradinha na mão direita do professor provocava riso nos alunos, a mentira deveria provocar indignação e repúdio. Tanto a superficialidade decorrente da preguiça mental quanto a mentira produzida pela deformação do caráter deveriam ser reconhecidos e curados como bicheira. Eles destroem a comunicação escorreita e solapam a credibilidade da fala. Nascem e vegetam nos espaços da política encardida.
A CPI da Covid-19 mostrou, com abundância, atalhos marotos usados para driblar a verdade. Foi patético ver depoente acuado pelo aguilhão da pergunta socorrer-se de chicanas “sopradas” por consultores que o assistiam.
Ao longo da formação profissional, de qualquer vivente, se impõe dedicar-se ao exercício e à praticagem daquilo que irá fazer logo mais, na vida real. Como na formação clerical. Antes de um vocacionado proferir seus votos religiosos faz longo retiro de doze meses, chamado noviciado, para conhecer e vivenciar tudo quanto irá encontrar pela frente como adepto de ordem religiosa.
E, ao final, ninguém irá contratá-lo para ser chefe de oficina mecânica. Pois, foi mais ou menos isso, que ocorreu com ex-ministro da saúde. Perguntado se sabia como o vírus se forma, multiplica e ataca, respondeu que era perito em logística. Inquirido se havia lido algum texto, ao menos introdutório, sobre a pandemia, respondeu cinicamente que nada havia lido e que isto delegava aos assessores. Há muito tempo, ao final de corrida de taxi, paguei o motorista e solicitei o recibo. Ele destacou o recibo em branco e pediu-me que o preenchesse. Retruquei que era função dele. Com humildade comovedora me olhou, desculpou-se dizendo “professor, me faltam as letras, por favor, o senhor pode preenchê-lo?”
Aos sabichões, repórteres esnobes, políticos vaidosos e ministros mentirosos, falta a humildade exigida na busca da verdade em tudo o que se diz. Nesta mesma sessão de inquirição do ex-ministro, senador começou a falar, pela vez, e parecia ser um tribuno do porte do senador Cícero, no Senado romano. Mas, antes de falar ajeitou a máscara duas vezes. Ruth e eu estávamos assistindo, e disparei meu palpite: “este fulano vai tocar na focinheira umas 60 vezes”. Mas, errei. Nos quinze minutos em que deitou falatório para empastelar a finalidade da CPI, ajeitou a máscara 126 vezes. Foi cômico. Ele queria que a máscara permanecesse fixa, bem na ponta do nariz, mas ela desobedecia e caía sobre a boca. O Paulinho Mixaria faria delirar plateias com piadas decorrentes das mancadas dos famosos. O humor é dimensão sublime da vida sadia. Mas, o que dá para rir já está dando de chorar. Chorar uma civilização que está na UTI, morrendo da Covid da falta de vergonha. Os “médicos intensivistas”, que cuidam dela, pouco ou nada sabem a respeito do mal que a está levando para o cemitério da história.
 

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