Reparação histórica
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segunda, 01 de novembro de 2021

Maltrapilho que estende a mão pedindo ajuda enseja reações contraditórias nas pessoas e torna mais dramática a questão social dos excluídos. Um poderá simplesmente ignorar o pedinte. Outro cantará o indigesto refrão “vá trabalhar vagabundo”. Cristão compadecido e preocupado com a salvação de sua alma lhe alcançará alguma esmola. Outro, ainda, pensará sobre as razões de tanta gente viver a dura exclusão social, e propõe mudar o sistema e eliminar as causas da miséria. O papa Francisco, interpelado por repórter, expôs claramente sua posição. Ele aprova as ações de socorro direto e imediato, fulmina a atitude de indiferença e diz que a política de distribuição de renda é a mais eficaz maneira de fazer caridade consequente. Para isso é necessário mudar o sistema econômico que produz a exclusão

Existem os preguiçosos, os vadios, e os sem vontade para nada. São muitos. Esses necessitam de reeducação completa, começando com a disciplina do trabalho. Mas, há milhões que não trabalham porque o sistema não precisa mais deles. Ficaram à margem da história. O papa diz que se trata de realidade escandalosa demais para continuar achando-a coisa normal. Uma crise acrescenta a outra crise mais deserdados. Governantes e homens de poder não conseguem mais criar soluções efetivas para estancar a sangria da miséria crescente em todo mundo. Surgem, contudo, promessas esperançosas. A Alemanha e França deram a partida para reparar as consequências decorrentes da exploração colonial, uma das principais causas históricas da miséria universal. A Alemanha ofereceu um bilhão de euros à Namíbia. A França promete indenizar países que ela explorou. Na Inglaterra, os 10% mais ricos tem consciência que acumularam suas fortunas à custa do saque e exploração das colônias. Outros países que sugaram o sangue de populações escravizadas durante séculos estão dispostos a viabilizar ações de reparação. A rigor, os afortunados do ocidente deveriam imitar Zaqueu e devolver tudo o que roubaram. Estas iniciativas visam compensar imensos danos causados durante séculos pelo colonialismo. A partir do século dezesseis, alguns países da Europa lançaram-se, com fúria, na aventura de conquistar o mundo para si. Na Ásia e na África ocuparam os territórios com exércitos que defendiam interesses das companhias de exploração das riquezas locais. Na América, recém descoberta, implantaram companhias escravocratas. Nos três continentes, o processo se fez mediante genocídios, saques, destruição dos patrimônios nativos e violências de todo tamanho.

Alguns dados que estão disponíveis na internet indicam a dimensão do que terá sido a pilhagem das riquezas feita contra os povos invadidos.

Na América, no tempo do descobrimento havia em torno de 60 milhões de habitantes. A população da Europa era de 80 milhões. Hoje, a população de índios nas Américas encolheu para 45 milhões, a maioria miserável. No Brasil eram oito milhões. Formavam mais de mil nações e falavam umas duzentas línguas. Hoje são menos de um milhão.

O escravagismo foi comércio lucrativo durante trezentos anos. Em torno de catorze mil navios zarparam de portos africanos rumo à América. Transportaram mais de vinte milhões de desterrados. Para o Brasil vieram cinco mil navios com seis milhões de acorrentados.

O filme A Missão fornece retrato falado sobre o que fazia o colonizador ao chegar numa terra desconhecida. No noroeste do Rio Grande do Sul, ainda é possível encontrar restos do que foi a missão e do que fez ali o bandeirante exterminador. A espada, o trabuco, o canhão, o caçador de índios, o capataz de fazenda, não poucas vezes, se apoiava na cruz para justificar o empreendimento colonial. Pois bem, as sobras humanas dos empreendimentos escravagistas, atualmente, se amontoam nas periferias e invadem o centro das cidades implorando ajuda. A África faminta, a América do Sul e Central desumanizadas, parte da Ásia e da Oceania formam o imenso bolsão de miséria que não será resolvida com esmola. Mas, a Europa que tanto explorou começa reconhecer a dívida que contraiu com estes povos que ela explorou. E quer mudar o rumo da história.

O Papa diz que não dá mais para ignorar esta situação. E conclama o mundo inteiro a se curar das cegueiras que produziram a globalização da indiferença. Segundo ele, o cristão que acha poder salvar sua alma dando esmola, poderá ser surpreendido ao ser aberto o livro do Apocalipse.

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